quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Midiatização ou Idiotização?




A nossa sociedade vem sofrendo, há alguns anos, uma transformação avassaladora: a midiatização. Este é o nome técnico, utilizado por estudiosos do assunto. Para nós, este fenômeno revela-se no dia-a-dia, de forma bem mais prosaica, e pode ser observado no comportamento dos indivíduos que nos cercam e até mesmo no nosso modo de agir ou pensar.
A criança que exige dos pais uma lancheira do Bob Esponja, o adolescente “cheio de atitude” que só usa as grifes da moda, a mãe que “precisa” fazer uma cirurgia estética, o pai que troca de carro todo ano: todos vítimas da ditadura imposta pelo comportamento massificado e tornado praticamente obrigatório pelo senso comum. Por “senso comum” entenda-se a expectativa criada pelos meios de comunicação de massa na sociedade, que acaba fazendo com que as pessoas “esperem” que cada cidadão tenha um comportamento condizente com a “última onda” ou com o “status quo” que, não por acaso, foi formatado de acordo com os interesses do mercado.
Levados por essa “onda”, os indivíduos sentem-se compelidos a participar, seja de que maneira for. Às vezes, simplesmente consumindo, às vezes interagindo ou, sempre que possível, tentando sair do meio da multidão e passando a ser, ele próprio, objeto de culto. Este, na verdade, tornou-se o grande objetivo da maioria absoluta: tornar-se conhecido, reconhecido ou admirado a qualquer custo. Ou, como preferem todos, “ser uma celebridade”.
Conscientes dessa situação, os meios de comunicação criaram os chamados “reality shows”. Em síntese, são espetáculos nos quais os grandes “astros” ou “estrelas” são cidadãos comuns apanhados em situações cotidianas ou lançados em desafios que testam suas capacidades. No Brasil, são incontáveis as variações já criadas com esta mesma idéia central: desde “Na Real” programa pioneiro lançado pela MTV, até o “veterano” “Big Brother Brasil”, que está em sua oitava edição anual na Rede Globo, tivemos (apenas para citar alguns) a “Casa dos Artistas”, “No Limite”, “Fama”, “O Aprendiz”, “Ídolos” e muitos outros. A grande maioria, diga-se de passagem, foi exibida com relativo sucesso.
Mas, na esteira deste sucesso, muitas perguntas surgiram:
- Porque as pessoas se interessam tanto por este tipo de espetáculo?
Via de regra, como no BBB, os programas apresentam dias e dias de intensa monotonia permeada por diálogos tacanhos que nem o mais incapaz dos autores de ficção se atreveria a propor.
- Seria, então, um reflexo da realidade e por isso se torna atraente?
Se for assim, como ficam os especialistas que dizem que o público busca na mídia uma realidade edulcorada e inatingível para compensar a sua rotina sem graça?
- Será que o público se interessa para ver como se sairá o seu semelhante, já que poderia ser ele próprio um participante?
Observando-se os participantes, fica óbvio que essa premissa é uma ilusão. Todos os participantes são jovens, esbeltos e dentro do padrão estético esperado para uma boa novela das oito. Aliás, não por acaso, o BBB tornou-se um trampolim para a descoberta de “novos talentos” para a “dramaturgia” das emissoras.
Mas, colocando-se de lado todos estes aspectos, que já foram amplamente analisados por experts no assunto, chamou-me a atenção um outro fato: a legião de enjeitados que fracassaram em suas tentativas de participar do programa. Sim, “tentativas”, porque boa parte deles vem tentando desde a primeira edição do BBB. Aproveitando esta fartura de material e, como parte do marketing de lançamento de Big Brother Brasil, o canal por assinatura Multishow exibiu uma série de programas chamados de “Nem Big, Nem Brother”. São programas de meia hora de duração que exibem aquela que, talvez, seja a face mais perversa da chamada midiatização da sociedade. Apenas para situar o leitor, cada candidato que quer participar do Big Brother Brasil precisa enviar um vídeo durante o qual se apresenta da maneira que julgar mais apropriada, e explica porque deveria ser escolhido para participar do programa. Junto, segue a autorização para a utilização das imagens segundo os critérios da emissora. E, com isso, os candidatos proporcionam, inadvertidamente, um reality show muito mais cruel e infinitamente mais real.
Afora a discussão sobre a conveniência ou não de expor estes vídeos, ao assistí-los pode-se ter uma idéia bem mais precisa acerca do desespero que move estas pessoas. A ânsia de encontrar um lugar ao sol, ou mais propriamente, “ao holofote”, faz com que elas não meçam esforços e promovam as mais variadas maluquices em frente às câmaras, que são, invariavelmente, amadoras. Lembram mariposas que, atraídas pelo brilho intenso da fama, não se importam com o risco e imolam seu nome e sua dignidade em busca de um ideal inatingível para a esmagadora maioria. E talvez esteja aí a maior das crueldades de uma sociedade midiatizada: vender aos “pobres mortais” a falsa idéia de que a celebridade está ao alcance de todos.
Ao assistir ao desfile dos candidatos, têm-se a clara certeza de que nada, repito, nada os deteria no caminho da fama. É um vale-tudo em que princípios elementares de dignidade e ética são abandonados em troca de promessas, insinuações e propostas de todos os tipos aos encarregados de selecionar os “felizardos” que irão ocupar a casa do BBB. Auto-humilhação e nudez em níveis variados, é claro, também estão no cardápio.
Ao observador deste patético festival, resta um travo amargo. É este o preço da midiatização? Ou isto é a midiatização? Qual a perspectiva? Qual a alternativa? Como romper este círculo vicioso? Há alguma coisa que possa ser feita para aperfeiçoar ou corrigir este caminho?
Estas são perguntas que o tempo irá responder. Até que isto aconteça, teremos que conviver com essa incômoda sensação de que alguma coisa se perdeu em nossa escala de valores...
Nilson Luiz Rosa Lopes - Jornalismo/Cesnors

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